Pular para o conteúdo principal

Injúria Renal Aguda

Na sala de emergência e em outras situações médicas, invariavelmente, você vai se deparar com um paciente portador de Injúria Renal Aguda (IRA). Quais os critérios para definir IRA? Quais as possíveis causas base e como diferenciá-las? Qual a clínica do paciente? Qual tratamento deve ser proposto? Existe indicação de diálise de urgência? O objetivo desse post é que ao final da leitura você responda essas perguntas e desenvolva 3 competências fundamentais: 1ª reconhecer IRA; 2ª compreender suas consequências clínicas e 3ª entender o tratamento. Para isso, vamos abordar, de maneira objetiva e sistematizada, a injúria renal aguda.

INTRODUÇÃO

A injúria renal aguda é definida como uma queda abrupta da taxa de filtração glomerular e consequente acúmulo de escórias nitrogenadas (ureia e creatinina). Atualmente, existem 3 critérios disponíveis para o reconhecimento de IRA são eles: (1) RIFLE (2) AKIN (3) KDIGO

O maior desafio na abordagem é o reconhecimento rápido da síndrome, já que as alterações clínicas só são evidentes quando existe alteração acentuada da função renal. Os critérios foram desenvolvidos justamente com o objetivo de auxiliar no reconhecimento da IRA, porém nem sempre são de fácil utilização na abordagem prática como iremos discutir mais à frente.

A função renal é expressa pela taxa de filtração glomerular (TFG), o que é um problema pelo fato de não dispormos, na atualidade, de uma medida exata da TFG. Nesse sentido, foram pensadas 3 formas de avaliar a função renal: (1) Ureia, (2) creatinina e (3) débito urinário.

(1) Ureia: é uma substância filtrada pelos rins. Durante a disfunção renal, a ureia deixa de ser filtrada e excretada. Como consequência disso, ocorre aumento dos seus níveis plasmáticos. Portanto, a ureia é um marcador sérico capaz de indicar disfunção renal. No entanto, é necessário estar atento ao fato de que a ureia não é um marcador ideal, uma vez que, a produção de ureia não é constante, ela aumenta de acordo com a ingestão proteica da dieta, traumas, hemorragias teciduais e estados de hipercatabolismo. 

(2) Creatinina: o mesmo princípio aplicado na utilização da ureia como marcador de lesão renal também serve para creatinina. O fato é que a creatinina seria perfeita se não fossem suas variações de acordo com estado nutricional, massa muscular e idade do indivíduo. Apesar dessa sua imperfeição, a creatinina apresenta variabilidade menor do que a ureia, logo, ela foi escolhida como o método de dosagem padrão para avaliar função renal. 

(3) Débito urinário (DU): também pode ser utilizado para avaliação. Tradicionalmente, ainda dividimos a injúria renal aguda em: não oligúrica: DU > 400ml/dia; oligúrica: DU < 400ml/dia e anúrica: DU < 100ml/dia. A grande limitação de utilizar o DU como marcador de função renal está justamente no fato de que a presença de injúria renal aguda não oligúrica (distúrbios tubulares) torna esse método não tão fidedigno. O paciente continua com um DU dentro do esperado, porém apresenta lesão renal.

Tendo em vista esse panorama, foram realizados estudos científicos no intuito de combinar essas metodologias de avaliação para estabelecer critérios capazes de identificar e definir a IRA.

A primeira proposta de critérios para definição de IRA foi realizada pela Acute Dyalisis Quality Iniciative (ADQI), o estudo RIFLE. O estudo subsequente ao RIFLE identificou aspectos essenciais não abordados inicialmente. Esse foi o trabalho Acute Kidney Injury Network (AKIN), que adicionou critérios para definição de IRA. Mais recentemente, a Kidney Disease: Improving Global Outcomes (KDIGO) revisou e organizou esses critérios de maneira objetiva. Dessa forma, do ponto de vista prático, os critérios que precisamos conhecer são os mais atuais publicados pela KDIGO.

De acordo com a KDIGO, a Injúria Renal Aguda é definida como: (1) aumento da creatinina sérica > 0,3 mg/dL dentro de 24h; (2) aumento da creatinina sérica > 1,5x o nível basal, conhecido previamente nos últimos 7 dias; e (3) Débito Urinário < 0,5mL/kg/h por 6 horas.


Memorizou os critérios propostos pela KDIGO? Retorne e releia esse pequeno trecho de 5 a 6 vezes. Escreva em um papel, fale em voz alta. Mas não siga o texto sem ter memorizado.

Na atualidade, existem pesquisas sobre biomarcadores indicadores de lesão renal. Estão sendo avaliados com o intuito de potencializar a identificação precoce da lesão renal. São representados pela Cistatina C e o NGAL, substâncias diretamente liberadas durante a lesão renal.

Ao chegar nesse momento você pode se perguntar: e a TFG? É possível calcular? De que forma? Por que não a utilizar para definir IRA? Um conceito que precisa ficar bem claro é que na lesão renal aguda não deve ser calculado a TFG ou o Clearance de Creatinina. O racional por trás disso é fundamentado no fato de que aumentos superiores a 50% do nível basal de creatinina leva, por definição, à TFG maximamente reduzida <10-20ml/min. A TFG pode ser calculada através das fórmulas MDRD e CKD-EPI, enquanto o Clearance de Creatinina pode ser calculado através da fórmula de Cockroft- Gault, os quais são disponíveis em calculadoras eletrônicas https://sbn.org.br/utilidades/calculadoras/.

FISIOPATOLOGIA 

Lembra dos principais compartimentos renais? Vascular, glomerular, tubulointersticial. Então, o desenvolvimento da injúria renal aguda ocorre quando houver queda abrupta da TFG, secundário ao comprometimento, nos compartimentos renais ou na via de saída (vias urinárias). Dessa forma, com base na localização da alteração, classicamente, dividimos a IRA em 3 grupos etiológicos: (1) pré-renal, (2) renal intrínseca e (3) pós-renal. Os três grupos são causas reversíveis de disfunção renal, ou seja, uma vez identificando e corrigindo o distúrbio de base, a função renal retorna à normalidade, de maneira diferente da doença renal crônica (DRC), na qual a disfunção dos néfrons é lenta, progressiva e irreversível. Vamos agora discutir separadamente cada grupo.


(1) pré-renal: ocorre comprometimento do compartimento vascular. São doenças caracterizadas por hipoperfusão renal, com integridade do tecido parenquimatoso. A TFG é mantida no glomérulo por diferença de pressão entre o espaço urinário que é cápsula de Bowman e o espaço vascular que são os capilares glomerulares. Quando ocorrem situações de hipoperfusão (chega pouco sangue no glomérulo), essa pressão positiva que empurra o ultrafiltrado glomerular diminui substancialmente. Dessa forma, há redução da TFG de maneira abrupta, gerando uma lesão renal aguda. 

O glomérulo apresenta o sistema de autorregulação renal, capaz de causar vasodilatação ou vasoconstrição nas arteríolas glomerulares, no intuito de manter constante a taxa de filtração glomerular. Porém, em situações de hipovolemia e hipoperfusão moderada a grave, esse mecanismo não suporta as alterações e ocorre o desenvolvimento da IRA, como descrito previamente.

Nesse sentido, a IRA pré-renal pode ocorrer em doenças que levam à redução do débito cardíaco e hipovolemia. As principais doenças que levam a redução do débito cardíaco são: ICC, sepse, valvulopatias. Por outro lado, as doenças que cursam com hipovolemia são representadas principalmente por: hemorragias cirúrgicas ou gastrointestinais, perdas através da pele por queimaduras extensas, perdas para o terceiro espaço como na pancreatite, hipoalbuminemia, peritonite e na ingestão reduzida de líquidos (desidratação).

Uma vez identificada a IRA pré-renal, o restabelecimento da perfusão renal restaura rapidamente a TGF. Se o quadro pré-renal não for corrigido, pode ocorrer isquemia no compartimento tubulointersticial, e a lesão renal aguda pode progredir para o próximo grupo que vamos discutir, a lesão renal intrínseca.

(2) renal intrínseca: alteração no compartimento glomerular ou tubulointersticial. São doenças que acometem o parênquima renal propriamente dito. Essa lesão pode se desenvolver por uma afecção prévia (glomerulopatia e tubulopatia) ou ocorrer devido à uma hipoperfusão não tratada (choque séptico), levando à necrose tubular aguda (NTA). A principal causa de IRA renal intrínseca é a NTA, seja ela isquêmica ou tóxica. 

(3) pós-renal: também conhecida como IRA obstrutiva, são doenças caracterizadas pela obstrução aguda do trato urinário. Lembra que falamos acima que a TFG é mantida por diferença de pressão? Para entender a IRA pós-renal, seguiremos o mesmo princípio. Quando existe um processo obstrutivo ao longo das vias urinarias, como hiperplasia prostática benigna (HPB), neoplasia ou cálculo, essa obstrução represa a urina que deveria estar sendo eliminada. De maneira retrógrada, isso resulta em aumento da pressão hidrostática na cápsula de Bowman (espaço urinário). A pressão na cápsula de Bowman, diferentemente da pressão dos capilares glomerulares, é contra a filtração. Portanto, ocorre redução abruta da TFG e se estabelece lesão renal aguda. 

Existem várias causas de obstrução das vias urinárias, alguns exemplos são: neoplasia, cálculos, coágulos, prostatite, HPB, estenose, válvulas congênitas e fibrose retroperitoneal.

QUADRO CLÍNICO 

As manifestações clínicas do paciente com IRA são variadas visto a grande quantidade de funções exercidas pelos rins. 

O desafio na avaliação clínica do paciente é a identificação precoce do sinais e sintomas, pois as manifestações clínicas da IRA só são evidentes quando o paciente apresenta alteração acentuada na função renal. Portanto, é essencial conhecer o quadro clínico característico da disfunção renal aguda para identificar o mais precocemente possível.

Didaticamente, existem 5 alterações clássicas no paciente com lesão renal aguda: hipervolemia, distúrbios eletrolíticos, acidose metabólica, hiperuricemia e uremia. 


(1) Hipervolemia: A redução na filtração glomerular (redução da diurese) e a redução na eliminação de sódio resulta em aumento do volume intravascular repercutindo no paciente como: HAS leve, aumento da pressão venosa jugular (PVJ), crepitações pulmonares, derrame pleural, edema agudo de pulmão, ascite, edema periférico e aumento do peso. Nesse contexto, a avaliação do volume intravascular através de cateteres centrais que forneçam medidas como a PVC (pressão venosa central) auxilia na manipulação das alterações.

(2) Distúrbios eletrolíticos: (K+) geralmente o mais presente é a hipercalemia, mas raramente ocorre hipocalemia. Clinicamente as alterações no potássio são apresentadas por alterações eletrocardiográficas secundário ao desenvolvimento de arritmias. Basta lembrar a importância do potássio para a despolarização celular e associa-la a alterações no eletrocardiograma. (Na+) a desregulação na excreção de sódio se manifesta como hiponatremia. Controverso não? Na verdade, não! Apesar de o rim está retendo mais sódio (redução na excreção de sódio), a hiponatremia presente na IRA aguda ocorre como consequência ao aumento do volume intravascular, seja esse aumento proveniente da redução da diurese, seja secundário a uma hidratação excessiva com soro glicosado (SG) 5% durante o tratamento. Lembre-se que, de uma maneira geral, as alterações no sódio geralmente são secundárias a alterações na água. (P) a alteração do fosfato presente é a hiperfosfatemia, geralmente é um aumento discreto, por outro lado, esse aumento pode ser acentuado se forem pacientes muito catabólicos, com rabdomiólise, hemólise ou lise tumoral. Quando o fósforo se encontra aumentado, este promove a deposição metastática junto com o cálcio resultando em fosfato de cálcio, tal fato predispõe outra alteração de eletrólito que vamos discutir agora: hipocalcemia. (Ca2+) a alteração do cálcio presente é a hipocalcemia, a qual, na IRA, se apresenta de maneira assintomático devido a acidose metabólica que atua com um efeito protetor, uma vez que aumenta a fração livre de cálcio. Já no indivíduo que não apresenta acidose metabólica, a hipocalcemia acentuada se manifesta tipicamente através de parestesias periorais, câimbras musculares, convulsões, alucinações e confusão. Os sinais clássicos são: (I) Chvostek – contração involuntária dos músculos faciais durante percussão do nervo facial abaixo do arco zigomático. (II) Trousseau - espasmo carpal após oclusão do fluxo arterial do membro superior durante 3 minutos com o esfigmomanômetro insuflado 20 mmHg acima da pressão sistólica. Ambos os sinais indicam tetania.

(3) Acidose metabólica: o rim perde sua capacidade de excretar os ácidos produzidos no metabolismo diário, o que resulta na acidose metabólica.

(4) Hiperuricemia: O ácido úrico é eliminado através da filtração glomerular e secreção tubular. Durante a IRA, esse mecanismo se encontra comprometido, tal fato resulta no aumento do ácido úrico plasmático: hiperuricemia.

(5) Uremia: uma das principais manifestações da disfunção renal é a uremia, ou seja, aumento de escórias nitrogenadas secundária a redução da TFG, a principal escória é a ureia. A ureia é um metabólico tóxico que, quando aumentado, afeta vários sistemas desencadeando sintomas clínicos. Na uremia, a mucosa do trato gastrointestinal sofre lesão devido aos níveis elevados de ureia, desencadeando sintomas: anorexia, vômitos, náuseas, diarreia (alterações gastrointestinais). A ureia elevada também alterada o mecanismo de agregação plaquetária e influencia no funcionamento dos fatores de coagulação, resultando em sangramentos e trombocitopenia leve (alterações hematológicas). A redução da produção de eritropoetina também pode se manifestar através de anemia (anemia). A membrana pericárdica também é afetada. Ocorre inflamação pericárdica, resultando em dor torácica do tipo pleurítica e alterações eletrocardiográficas típicas (pericardite). Por fim, o paciente pode desenvolver confusão mental, flapping, agitação psicomotora (encefalopatia urêmica).

DIAGNÓSTICO

Até esse momento discutimos os principais conceitos, chegou a hora do momento prático. Como é o diagnóstico do paciente IRA? Será que basta conhecer os critérios da KDIGO e sair pelas enfermarias diagnosticando lesão renal aguda? Como diferenciar durante a avaliação clínica IRA pré-renal, renal intrínseca e pós-renal?

Como discutido previamente na sessão quadro clínico, a IRA é uma afecção comumente assintomática (exceto em casos de alteração acentuada na função renal). Dessa forma, para confirmar o diagnóstico de IRA, é necessário cumprir os critérios estabelecidos pela KDIGO (revise a sessão introdução). O problema na prática é que muitas vezes o valor da creatinina prévia do paciente não é acessível. Portanto é essencial estar atento as alterações na diurese e qualquer outra das manifestações clínicas apresentadas acima.

Obs: nem sempre o paciente com IRA se apresenta oligúrico, pois existem as causas de IRA não oligúricas. As clássicas são: rabdomiólise e uso de contraste iodado.

E como diferenciar as causas de IRA (pré-renal, renal intrínseca e pós-renal)? Uma mensagem importante que precisa ficar é que apesar de existirem várias ferramentas para avaliação clínica (biópsia renal, Ultrassonografia, exames laboratoriais), dois elementos são essenciais para diferenciar a origem etiológica: História clínica e bioquímica urinária + EAS.


Em relação a história clínica, cada etiológico possui características que sugerem a origem da IRA.

Antecedentes clássicos na história e sinais sugestivos:

Pré-renal: choque hemorrágico, hipovolemia, ICC descompensada, desidratação, uso de agentes que comprometem a autorregulação renal como: AINE e IECA.

Renal intrínseca: Choque séptico, hipovolemia e hipóxia severas (lembra que a pré-renal pode evoluir para renal intrínseca). Além disso, esteja atento também para a utilização de fármacos tóxicos como a anfotericina B e aminoglicosídeos.

Pós-renal: presença de HPB + bexigoma sugere fortemente etiologia pós-renal. Esteja atento também para histórico de obstrução das vias urinarias: presença de válvula uretral, litíase, manipulação cirúrgica em retroperitônio e neoplasias.

Perceba que com a história clínica rapidamente conseguimos eliminar ou incluir a pós-renal nos etiológicos, pois a obstrução das vias urinárias fica evidente clinicamente. Por outro lado, é difícil clinicamente diferenciar pré-renal de renal intrínseca, é nesse momento que a avaliação do sedimento urinário (EAS) é essencial para essa diferenciação. Através dele fica mais claro a diferença entre pré-renal vs renal intrínseca

Bioquímica urinária + EAS: O elemento do sedimento urinário crucial para diferenciar IRA pré-renal de IRA renal intrínseca é o tipo de cilindro. Normalmente, no sedimento urinário, encontramos em todos pacientes os chamados cilindros hialinos, é um achado comum e fisiológico, existe uma proteína no interior do túbulo renal responsável por formar esse cilindro. De tal maneira, quando existe lesão tubular, há exemplo da NTA, o epitélio tubular lesado libera células e a proteína formadora de cilindros forma um outro tipo de cilindro, os famosos cilindros granulares. Durante a lesão tubular também podem se formar cilindro hemáticos e leucocitários.

Ficou claro? Ao avaliar um EAS no paciente com IRA pré-renal esperamos encontrar cilindros hialianos pois não existe lesão no epitélio tubular. Por outro lado, na IRA renal intrínseca é encontrado cilindros granulares, hemáticos e leucocitários. Outros achados que sugerem IRA renal intrínseca é a proteinúria e hematúria.

Em relação aos índices urinários, vamos pensar. Na IRA pré-renal existe pouco volume (hipoperfusão). Portanto, a urina do paciente com IRA pré-renal possui a osmolaridade maior. Se a osmolaridade é maior, a densidade também é maior. Já na IRA renal intrínseca, a osmolaridade e densidade são menores. Na IRA pré-renal, o túbulo ainda consegue reabsorver substâncias, portanto a fração de excreção de Na+ se encontra normal (F.E. Na+ < 1%). Já na IRA renal intrínseca, a lesão tubular compromete a reabsorção do Na+ elevando sua excreção (F.E. Na+ >1%). Por esse mesmo motivo, na avaliação é identificado na IRA pré-renal um sódio urinário baixo <20 mEq/l e na IRA renal intrínseca é alto > 40 mEq/l.

Outro parâmetro que auxilia é a relação Ureia/Creatinina. Na IRA pré-renal, se encontra elevada > 40. Enquanto que na IRA renal intrínseca se encontra baixa < 20.


O exame de imagem de escolha é a USG das vias urinárias. Nela podemos verificar presença ou ausência de hidronefrose com o intuito de confirmar ou afastar IRA pós-renal. Além disso, a USG fornece informações sobre a ecogenicidade renal sendo capaz de identificar doença renal crônica. Por conseguinte, pode indicar uma doença renal crônica agudizada.

Opa! Chegamos em um momento interessante, muitas vezes perguntado por professores e preceptores ao longo da formação. “Como diferenciar Insuficiência renal aguda de crônica?” Um forte indício da doença renal crônica são alterações na USG: perda da diferenciação cortico-medular, a redução da ecogenicidade, redução do tamanho do rim. Do ponto de vista clínico, também é possível diferencia-las. Isso é possível pois algumas manifestações só estão presentes na doença renal crônica, uma vez que, algumas funções do rim só são perdidas ao longo do tempo e não de maneira abrupta. Para conhecer essas diferenças, leia nossa futura publicação sobre doença renal crônica.

A biópsia renal é um procedimento pouco utilizado, fica reservada para situações quando já foram afastados IRA pré-renal, pós-renal, uso de toxinas e não foi identificado a causa da lesão intrínseca, em pacientes cuja principal suspeita é doença sistêmica.

Obs: Evite a biópsia sempre que possível, é um procedimento invasivo que pode trazer complicações. 

TRATAMENTO 

O tratamento da IRA é através da correção da causa base que desencadeou o quadro. Lembre que a IRA geralmente é REVERSÍVEL, deste modo, atue de maneira rápida, eficaz e restaure a função renal do paciente. Vamos ver como fazer isso!

-Arsenal não farmacológico: suporte nutricional para o paciente, restrição hídrica para pacientes com hiponatremia, restrição de sódio para paciente com elevação do peso, suspensão de fármacos que interferem na perfusão renal (AINE e IECA), evitar drogas nefrotóxicas (aminoglicosídeos e contrastes). E não esquecer de ajustar doses de medicamentos.

-Arsenal farmacológico: Diuréticos: Apesar de serem drogas frequentemente administradas, o estimulo da diurese promovida pelos diuréticos não representa uma melhora na função renal. Portanto a manipulação com diuréticos não melhora o prognóstico do paciente seu uso não deve ser prolongado. Dopamina: A despeito da diurese, a dopamina “em dose renal” não é eficaz no tratamento da IRA estabelecida, seu principal resultado é predispor efeitos colaterais. Portanto, deve ser evitada. Fenoldopam: fármaco em estudo, sem resultados definidos. Anticoagulação: para os pacientes que necessitarem realizar anticoagulação plena ou profilática.

Na IRA pré-renal o objetivo é fornecer volume para corrigir a pressão arterial e o volume intravascular. Na IRA pós-renal, desobstrução do trato urinário e avaliação com urologia é crucial. Enquanto na IRA renal intrínseca o tratamento vai depender da causa base.

Correção dos distúrbios eletrolíticos:
· Hiponatremia: correção da volemia.
· Hipercalemia: O tratamento é baseado no uso do gluconato de cálcio, glicoinsulina venosa, diuréticos de alça e administrada de B2 agonista.
· Hipocalcemia: o tratamento da hipocalcemia é realizado em paciente sintomáticos ou com níveis de cálcio sérico total inferior a 7,5 mg/dL. A terapia é baseada na injeção endovenosa de sais de cálcio.
· Hiperfosfatemia: Hidratação e diureticoterapia, os quelantes de fósforo são reservados para quadros crônicos.

A acidose metabólica, a princípio, não deve ser corrigida. A indicação para reposição de bicarbonato na literatura é clara. A reposição é realizada para o paciente que tem um pH crítico, abaixo de 7,10. A própria correção da IRA restaura o pH sanguíneo. Esteja atento também a calcemia do paciente, pois a correção da acidose com bicarbonato venoso em pacientes com hipocalcemia pode provocar crise tetânica.

A hiperuricemia é corrigida após a correção da IRA. Enquanto os sintomas urêmicos, quando exacerbados, representando franca uremia (pericardite e encefalopatia urêmica) devem ser tratados com a diálise de urgência.

Existem 3 indicações clássicas para diálise de urgência em pacientes com IRA. Conhece-las é essencial, visto que, apesar de não melhorar o prognóstico do paciente, diminui o risco de complicações. São elas: (1) Acidose metabólica, hipercalemia e hipervolemia graves e refratárias. (2) Síndrome urêmica franca - pericardite, encefalopatia (3) Intoxicação com substâncias dialisáveis (metanol, etilenoglicol, salicitato).

A IRA é uma síndrome complexa e associado a um risco duas vezes mais alto de mortalidade hospitalar, atinge cerca de 2/3 dos pacientes internados em UTI. Por tal importância, mantenha sempre sua abordagem sistematizada, isso irá otimizar seu tempo e melhorar sua qualidade assistencial.

Vamos retornar à contextualização inicial, vamos responder juntos. Quais os critérios para definir IRA? R – De acordo com os critérios KDIGO injúria renal aguda é definida como (1) aumento da creatinina séria > 0,3 mg/dL dentro de 24h (2) aumento da creatinina sérica > 1,5x o nível basal, conhecido previamente em até nos últimos 7 dias (3) Débito Urinário < 0,5mL/kg/h por 6 horas. Quais as possíveis causas base e como diferencia-las? R – Pré-renal, renal intrínseca e pós-renal. A diferenciação é feita através do combo: história clínica e bioquímica urinária + EAS. Qual a clínica do paciente? Geralmente o paciente se apresenta assintomático. Em fases acentuadas da disfunção renal, apresenta 5 principais alterações: hipervolemia, distúrbios eletrolíticos, acidose metabólica, hiperuricemia e uremia. Qual tratamento deve ser proposto? De uma maneira geral, medidas não farmacológicas, medidas farmacológicas quando necessárias, tratamento de suporte para correção dos distúrbios eletrolíticos e, se necessário, diálise. Na IRA pré-renal, o objetivo é fornecer volume para corrigir a pressão arterial e o volume intravascular. Na IRA pós-renal, desobstrução do trato urinário e avaliação com urologia é crucial. Enquanto na IRA renal intrínseca o tratamento vai depender da causa base. Existe indicação de diálise de emergência? Sim, são elas: (1) Acidose metabólica, hipercalemia e hipervolemia graves e refratárias. (2) Síndrome urêmica franca - pericardite, encefalopatia (3) Intoxicação com substâncias dialisáveis (metanol, etilenoglicol, salicitato).


Entre em contato para dúvidas ou sugestões:
E-mail: rafaeloliveira7santos@gmail.com
WhatsApp: (71) 997129817
Instagram: @rafael7oliveira

Referências
Imagem 1: http://twixar.me/rzTK
Bagshaw SM, Bellomo R, Kellum JA. Oliguria, volume overload, and loop diuretics. Crit Care Med 2008; 36:S172.
Grams ME, Estrella MM, Coresh J, et al. Fluid balance, diuretic use, and mortality in acute kidney injury. Clin J Am Soc Nephrol 2011; 6:966.
Fiaccadori E, Cremaschi E. Nutritional assessment and support in acute kidney injury. Curr Opin Crit Care 2009; 15:474.
Li Y, Tang X, Zhang J, Wu T. Nutritional support for acute kidney injury. Cochrane Database Syst Rev 2010; :CD005426.
Lameire N, Van Biesen W, Vanholder R. Acute renal failure. Lancet 2005; 365:417.
Goldman L, Ausiello D. Cecil: Tratado de Medicina Interna. 22ªEdição. Rio de Janeiro:ELSEVIER, 2005.
Kasper, DL. et al. Harrison Medicina Interna, v.2. 16ª. Edição. Rio de Janeiro: McGraw­Hill, 2006.
RIELLA, Miguel C. (ed). Princípios de Nefrologia e Distúrbios Hidroeletrolíticos. Rio de Janeiro, Editora Guanabara Koogan Ltda, 5a Edição, 2010.
FLOEGE, Jurgen, JOHNSON, Richard J., & FEEHALLY, John. Comprehensive Clinical Nephrology. Saint Louis, Elsevier W. B. Saunders, 4a Edição, 2010.
GREENBERG, Arthur. (ed). Primer on Kidney Diseases. Philadelphia, Elsevier W. B. Saunders, 5a Edição, 2009. BASOW
SCHRIER, Robert W., & GOTTSCHALK Carl W. (eds). Diseases of the Kidney and Urinary Tract. Philadelphia, Lippincott Williams & Wilkins, 9a Edição 2012. BRENNER, Barry B. (ed).
BRENNER and Rector's The Kidney. Philadelphia, Elsevier W. B. Saunders, 9a Edição, 2012.























Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Gastrectomia e Complicações Pós-operatórias

Paciente em pós-operatório de gastrectomia parcial a Billroth II da entrada no pronto-socorro com queixa de dor abdominal intensa, associado a náuseas e vômitos em jatos, referindo melhora da dor e dos sintomas após êmese. Qual a principal suspeita para esse paciente? O objetivo desse post é de maneira objetiva e sistematizada abordar os principais conceitos relacionados a gastrectomia e suas complicações. INTRODUÇÃO  A gastrectomia pode ser indicada para tratamento de várias patologias do estômago: neoplasias, trauma abdominal, hemorragia digestiva, úlcera péptica, estenose, perfuração e cirúrgicas metabólicas. Existem duas opções: (1) Gastrectomia parcial (2) Gastrectomia total (1) Gastrectomia parcial – É a ressecção da porção distal do estômago, geralmente seguida da reconstrução do trânsito intestinal. (2) Gastrectomia total – É a ressecção total do estômago, geralmente seguida da reconstrução trânsito intestinal. RECONSTRUÇÕES  O trânsito intestinal pode s

Colecistite Aguda

Você está de plantão na emergência quando um paciente dá entrada com queixa de dor abdominal intensa há 24 horas, com predomínio em hipocôndrio direito e histórico de colelitíase. Qual é a principal suspeita para esse paciente? Quais exames laboratoriais e de imagem solicitar? Qual é a proposta terapêutica? O objetivo desse post é sistematizar a abordagem da colecistite aguda e elucidar conceitos importantes. INTRODUÇÃO  A colecistite aguda é uma das principais causas de abdome agudo inflamatório, é comum na sala de emergência e apresenta alta prevalência na população brasileira. Essa doença acomete preferencialmente pessoas do sexo feminino, adultos jovens e idosos sobretudo indivíduos que apresentam histórico de colelitíase.  O termo colecistite aguda é definido como inflamação da vesícula biliar geralmente secundária a impactação de um cálculo no ducto cístico.  FISIOPATOLOGIA  O desenvolvimento da colecistite aguda pode ocorrer em dois cenários. O primeiro é na