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Gastrectomia e Complicações Pós-operatórias




Paciente em pós-operatório de gastrectomia parcial a Billroth II da entrada no pronto-socorro com queixa de dor abdominal intensa, associado a náuseas e vômitos em jatos, referindo melhora da dor e dos sintomas após êmese. Qual a principal suspeita para esse paciente? O objetivo desse post é de maneira objetiva e sistematizada abordar os principais conceitos relacionados a gastrectomia e suas complicações.

INTRODUÇÃO 

A gastrectomia pode ser indicada para tratamento de várias patologias do estômago: neoplasias, trauma abdominal, hemorragia digestiva, úlcera péptica, estenose, perfuração e cirúrgicas metabólicas.

Existem duas opções: (1) Gastrectomia parcial (2) Gastrectomia total

(1) Gastrectomia parcial – É a ressecção da porção distal do estômago, geralmente seguida da reconstrução do trânsito intestinal.

(2) Gastrectomia total – É a ressecção total do estômago, geralmente seguida da reconstrução trânsito intestinal.

RECONSTRUÇÕES 

O trânsito intestinal pode ser reconstruído de 3 maneiras. A frequência das complicações vai variar a depender dessa classificação.

(1) Billroth I – Na gastrectomia a Billroth I o trânsito intestinal é reconstruído através da confecção de um gastroduodenoanastomose. Ou seja, após a retirada do seguimento distal do estômago, é realizada a reconstrução direta entre a porção remanescente do estômago e o duodeno. 
(2) Billroth II - Na gastrectomia a Billroth II o trânsito intestinal é reconstruído através de da confecção de uma gastrojejunoanastomose. Ou seja, após a ressecção da porção distal do estômago, o coto duodenal é fechado e é confeccionada anastomose terminolateral entre o estômago e jejuno.
A elevação do jejuno para realização da anastomose pode ser feita de duas maneirais: Pré-cólica (em frente ao cólico transverso) ou Transmesocólica (através de um orifício no mesocolo transverso).

A alça confeccionada pode ser isoperistáltica (ambos segmentos estão no mesmo sentido do trânsito intestinal) ou anisoperistáltica (os segmentos da anastomose estão em sentido inverso ao trânsito intestinal).

A alça confeccionada é dividida em duas porções alça aferente – Aquela que vai do conto duodenal fechado até a gastrojejunoanastomose e a alça eferente aquela que vai da gastrojejunanastomose seguindo o trânsito intestinal.
(3) Y Roux – A Gastrectomia em Y de Roux geralmente é realizada quando é feita retirada total do estômago ou para correção de complicações da BI ou BII. Nessa reconstrução é feito o fechamento do coto duodenal e ressecção intestinal após 5-10cm do ângulo de Treitz. Após a resseção o intestino fica livre e o jejuno sobe para confecção da esôfagojejunoanastomose formado um lado o “y” e o outro lado e formada pela porção remanescente (duodeno e 5cm iniciais do jejuno) que é religado através de uma anastomose jejunojejunal do tipo terminolateral.

COMPLICAÇÕES PÓS-GASTRECTOMIA

(1) Billroth I É a reconstrução mais fisiológica, uma vez que modifica pouco o trânsito intestinal. Porém, apresenta altos indicies de complicações, sendo pouco utilizada. A principal complicação é a gastropatia por refluxo biliar. A gastrectomia parcial retira o antro gástrico, o qual apresentava o esfíncter piloro responsável por impedir o retorno do conteúdo alcalino do duodeno para o interior do estômago. Dessa forma, o retorno frequente do conteúdo alcalino desenvolve a gastrite de refluxo, que, clinicamente é manifesta por dor abdominal e vômitos (que não melhoram a dor). O tratamento para essa complicação é uma nova abordagem para confecção do trânsito intestinal em Y de Roux.

(2) Billroth II pode complicar principalmente de 3 formas:

- Síndrome da Alça Aferente: A alça aferente é responsável por conduzir a secreção biliar e pancreática até a anastomose (gastrojejunoanastomose) para que a partir desse ponto ocorra a união com o bolo alimentar e o seguimento no trato intestinal. A síndrome da alça aferente ocorre quando há uma obstrução no trajeto da alça. A obstrução ou semi-obstrução pode ocorrer por várias causas: Kinking (dobradura), torção, aderência, hérnia... isso resulta em distensão e acúmulo da secreção biliopancreática gerando o quadro clínico característico: Dor intensa, Vômitos em jatos e melhora da dor após a êmese. O tratamento é a reoperação com construção de gastrojejunostomia em Y de Roux.


- Síndrome da Alça Eferente: A alça eferente é responsável por conduzir o bolo alimentar juntamente com a secreção biliar e pancreática ao longo do trato intestinal. A sindrome da alça eferente é mais rara, geralmente ocorre por obstrução gerando náuseas e vômitos com característica alimentares.

- Síndrome de Dumping: Ocorre devido a passagem rápido dos alimentos do estômago para o duodeno resultado da ausência do esfíncter piloro. Durante o pós-operatório essa síndrome pode ser desencadeada por contração do volume plasmático e distensão intestinal aguda. O chamado “Dumping” precoce ocorre em 15-30 minutos após alimentação resultando em alterações gastrointestinais (dor abdominal, náuseas, vômitos, diarreia explosiva) e alterações vasomotoras (taquicardia, palpitações, sudorese, tontura). O outro lado, o chamado “Dumping” tardio ocorre 1-3horas após alimentação e os sintomas predominantes são alterações vasomotoras. O tratamento do Dumping é de suporte: evitar carboidratos, fracionar refeições e não ingerir líquidos durante as refeições.

(3) Y roux: melhor técnica, apresenta baixo índice de complicações pós-operatórias. 

Outras complicações: problemas na absorção de vitaminas resultando em várias deficiências nutricionais. Redução da absorção do cálcio e da vitamina D gerando osteoporose e osteomalácia. Além disso, a reconstrução do transito intestinal, faz com que o bolo alimentar não chegue no duodeno e passe direto para o jejuno. É conhecido que o principal sítio de absorção de ferro é a porção inicial do duodeno, logo existe um risco aumentado de anemia ferropriva. A hipocloridria resultante do ato cirúrgico (retirada do antro gástrico - antrectomia) prejudica a capacidade de obter a vitamina B12 ligada a fontes proteicas, logo aumenta a chance de anemia megalobástica. É importante afirmar que geralmente não há deficiência do fator intrínseco, pois as porções remanescentes do estômago continuam produzindo. Por fim, uma outra complicação tardia é o adenocarcinoma. Indivíduos gastrectomizados apresenta 15x mais risco de desenvolver adenocarcinoma do que indivíduos não gastrectomizados.

A gastrectomia é uma opção terapêutica para várias patologias do estômago, conhecer os tipos de reconstruções intestinais e suas complicações é essencial para follow-up do paciente após operação. Mantenha sua abordagem sistematizada, sempre pensando nas complicações a depender da sua prevalência e da técnica utilizada.

Vamos retornar à contextualização inicial. Paciente em pós-operatório de gastrectomia parcial a Bilrroth II da entrada no pronto-socorro com queixa de dor abdominal intensa, associado a náuseas e vômitos em jatos, referindo melhora da dor e dos sintomas após êmese. Qual a principal suspeita para esse paciente? R- A principal suspeita é a síndrome da alça aferente. O paciente do caso apresenta características clássicas da síndrome da alça aferente, POT de uma Billroth II com quadro de obstrução mecânica no coto duodenal que desencadeia dor abdominal que melhor após o vômito.

Entre em contato para dúvidas ou sugestões:

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WhatsApp: (71) 997129817
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REFERÊNCIAS 

- COELHO, J. C. Aparelho Digestivo: Clínica e Cirurgia. 3.ed. São Paulo: Atheneu, 2005.
- SABISTON. Tratado de Cirurgia: A Base Biológica da Prática Cirúrgica Moderna. 18ª edição, Rio de Janeiro: Elsevier, 2010.
- El Halabi HM, Lawrence W Jr. Clinical results of various reconstructions employed after total gastrectomy. J Surg Oncol 2008; 97:186.
- Burden WR, Hodges RP, Hsu M, O'Leary JP. Alkaline reflux gastritis. Surg Clin North Am 1991; 71:33.
- Gustavsson S, Ilstrup DM, Morrison P, Kelly KA. Roux-Y stasis syndrome after gastrectomy. Am J Surg 1988; 155:490.

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